sexta-feira, maio 17, 2024

Joaquim Nabuco: generoso, aristocrático e brilhante

Ele foi o maior intelectual pernambucano, e como deputado liderou a campanha pela libertação dos escravos no Brasil


Se Frei Caneca foi o principal líder político pernambucano, o diplomata, historiador, jurista, jornalista, memorialista e poeta Joaquim Nabuco — apelidado, no seu tempo, de “o belo Quincas”, porque também era muito bonito — foi o intelectual mais importante. Mas entrou para a História como líder da campanha abolicionista.

Deputado geral (federal), ele comandou a bancada contrária à escravidão na Câmara e ainda teve atuação destacada na luta pela separação entre Estado e Igreja, entre outras causas progressistas. Contudo, a Abolição — finalmente decretada pela Princesa Isabel no dia 13 de maio de 1888 — teve uma consequência tão desastrosa, do seu ponto de vista, que ele abandonou a vida pública…

BERÇO NOBRE

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo nasceu em 1849, no Recife, no dia 19 de agosto – data na qual se comemora o Dia Nacional do Historiador, em sua homenagem. Filho do jurista e político baiano José Tomás Nabuco de Araújo Filho, que presidiu o julgamento dos rebeldes da Revolução Praieira, e de Ana Benigna de Sá Barreto, irmã de Francisco Paes Barreto, Marquês do Recife, ele herdou dos pais a cultura e o refinamento, mas não as preocupações sociais, como o desejo de acabar com a infâmia do cativeiro no Brasil.

Nabuco formou-se pela Faculdade de Direito do Recife tendo como colegas de turma Castro Alves e José Mariano, dois outros grandes abolicionistas, além de Rui Barbosa. E na juventude manteve um relacionamento amoroso com Eufrásia Teixeira Leite, moça riquíssima, herdeira de uma das grandes fortunas do mundo, na época.

Eufrásia vivia em Paris. Eles se conheceram a bordo de um navio, numa viagem para a Europa, em 1873, e seguiram se comunicando por cartas. Mas o romance acabou em 1887 e Nabuco, dois anos depois, casou-se no Rio de Janeiro com Evelina Torres Soares Ribeiro, da mais fina aristocracia brasileira, com quem teve três filhos e duas filhas.

Eufrásia ficou solteira.

MEU BEM, MEU MAL

Nabuco culpava a escravidão pela maioria dos problemas nacionais e previu com muita lucidez que ela deixaria marcas profundas, por muito tempo, na cultura e no caráter do País. Mas, no seu entender, a abolição — com a qual os donos de escravos, naturalmente, não concordavam — não deveria ser feita de modo radical e abrupto, e sim de modo pacífico, com o processo encaminhado pelos canais competentes, ou seja, o parlamento. Nada de agitações nas ruas.

Também foi um duro crítico da Igreja Católica, classificando sua postura com relação ao cativeiro de “a mais vergonhosa possível, pois ninguém jamais a viu tomar partido dos escravos, apesar do seu imenso poder em um país ainda em grande parte fanatizado por ela”. Para ele, o estado deveria ser laico, assim como o ensino público. Mas afirmava não ser contra o “catolicismo-religião”, só o “catolicismo-política”.

“Não sou inimigo da Igreja Católica”, ele dizia. “Sou inimigo é desse catolicismo político, é desse catolicismo que se alia a todos os governos absolutos, é desse catolicismo que em toda a parte combate a civilização e quer fazê-la retroceder”. E lutou muito, ao lado de Rui Barbosa e de José Mariano, entre outros, para que a Igreja parasse de interferir nos negócios públicos. Mas, na campanha abolicionista, ninguém se distinguiu tanto quanto ele.

O fim da escravidão, porém, causou também um grande mal, do seu ponto de vista. Os grandes proprietários de terra, os cafeicultores e senhores de engenho que mandavam de fato no País, contrariados com perda dos seus escravos, retiraram seu apoio à monarquia e a república foi proclamada pelos militares, em 1889. Uma mudança que o desgostou profundamente.

Tal como outros filhos de família tradicionais pernambucanas, como José Inácio de Abreu e Lima e José Mariano Carneiro da Cunha, Nabuco, apesar de progressista nas causas sociais, também era um radical defensor da monarquia.

O general Abreu, por exemplo, lutou pela independência e pela implantação de regimes republicanos em seis dos atuais países América do Sul, ao lado de Simón Bolívar, entre 1819 e 1830. De volta ao Brasil, batalhou pelo fim da escravidão, pela reforma agrária, pela liberdade religiosa, e até se proclamou socialista, mas defendeu o Império até morrer, em 1864. Para ele, sem a figura do imperador, a Nação poderia se partir em várias republiquetas, como ocorrera no restante da América Latina. Além disso, como maioria dos brasileiros não participava da vida política e o nível geral da educação era baixíssimo, eles se tornariam uma presa fácil para ditadores ou demagogos.

Nabuco pensava o mesmo.

Não seria a monarquia o melhor para o País?

Assim como o general, o deputado julgava que um regime semelhante ao da Inglaterra, onde o rei dava estabilidade à Nação e havia liberdade e respeito aos direitos civis, seria o ideal para o Brasil. E em protesto contra a derrubada de D. Pedro II retirou-se da política, ignorando os pedidos que recebeu para permanecer.

Passou, então, a dedicar-se mais à escrita, sendo dessa época algumas das suas principais obras, como Um estadista do Império, uma biografia do seu pai, Tomás Nabuco, e Minha Formação, de memórias. Ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, em 1897, e manteve uma grande amizade com o escritor Machado de Assis, que tinha até um retrato de Nabuco pendurado numa parede da sua casa.

Aos poucos, porém, foi abrandando, e em 1905 voltou à vida pública como embaixador do Brasil nos Estados Unidos, onde, entre uma atividade diplomática e outra, divulgava Os Lusíadas de Camões, fazendo conferências em inglês sobre o grande poeta da língua portuguesa.

Seu prestígio intelectual por lá era enorme. Em 1908, por exemplo, ele recebeu o grau de doutor em letras pela Universidade Yale, palestrou na Universidade de Wisconsin e pronunciou o discurso oficial de encerramento do ano letivo na Universidade de Chicago. E foi, ainda, um grande defensor do pan-americanismo, tendo presidido a III Conferência Pan-Americana, realizada no Rio de Janeiro, em 1906.

Com o tempo, também mudou sua relação com a Igreja Católica. Reconverteu-se e declarou: “Preciso renunciar a tudo que escrevi em espírito de antagonismo à religião, com a mais soberba incompreensão de seu papel e da necessidade, superior a qualquer outra, da sua ação formativa, reparadora e consoladora em nossa vida pública e nos costumes nacionais”.

Sua estada nos Estados Unidos durou até 1910. Uma doença muito rara, a policitemia vera, que provoca um aumento desordenado dos glóbulos vermelhos no sangue, o matou, em Washington, aos 60 anos de idade. Transladados para cá, seus restos foram sepultados no Cemitério de Santo Amaro e ele hoje dá nome a diversas ruas e avenidas em várias cidades brasileiras, além de uma importante fundação em Pernambuco. 2010, ano do centenário do seu falecimento, foi o Ano Nacional Joaquim Nabuco, e em 2014 ele foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria, em Brasília.

Um clã ilustre

Evelina, esposa de Nabuco, era filha do Barão de Inoã, sobrinha da Condessa de Tovar e do Visconde de Torres, neta do Barão de Itambi e sobrinha-neta do Visconde de Itaboraí. Desse casamento nasceram: Maurício, que foi diplomata e, como o pai, embaixador do Brasil nos Estados Unidos; Joaquim, padre católico e alto membro da cúria romana; Carolina, escritora de renome; Mariana e José Tomás, que casou com Maria do Carmo, irmã do ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos de Melo Franco. Não poderia haver família mais chique.

Crítica à Igreja

Nabuco escreveu, na juventude, que “a Igreja Católica foi grande no passado, ao nascer no meio de uma sociedade corrompida, minada pelo egoísmo e moralmente degradada pela escravidão. A Igreja foi grande quando tinha de esconder-se nas catacumbas, quando era perseguida. Mas, desde que passou a sentar-se no trono e a vestir a púrpura dos césares, desde que esqueceu as palavras do seu divino fundador, que disse ‘o meu reino não é deste mundo’, ela não teve outra religião senão a política, outra ambição senão o governo, e tem sido a mais constante perseguidora do espírito de liberdade, dominadora das consciências, e se tornou inimiga irreconciliável da expansão científica e da liberdade intelectual do nosso século”. Porém, mudou de opinião no fim da vida.

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